Artigos | Postado em: 24 abril, 2025
Apostas Esportivas Online: A responsabilidade civil das BETS

Nos últimos anos, as chamadas “bets” — plataformas de apostas esportivas online — deixaram de ser um fenômeno digital para se consolidar como um setor multimilionário no Brasil.
Estima-se que os brasileiros gastem mais de R$ 2 bilhões por mês em apostas, e que o gasto líquido anual com essas plataformas já supere os R$ 30 bilhões.
Diante desse cenário, o ordenamento jurídico precisou se atualizar.
A Lei nº 14.790/2023: um marco regulatório das apostas esportivas
Aprovada no fim de 2023, essa lei permitiu apostas de quota fixa — modalidade em que o apostador já conhece o valor do prêmio potencial antes de apostar, o que a diferencia dos jogos de azar tradicionais.
Assim, ocorreu a legalização dessas apostas, desde que operadas por empresas autorizadas e tributadas.
Entre os principais pontos da nova lei, que exigeu medidas de proteção aos usuários, destacam-se:
- Autorização obrigatória do Ministério da Fazenda;
- Mecanismos de autolimitação e autoexclusão, para que o próprio usuário possa restringir ou encerrar sua participação;
- Proibição de publicidade voltada a menores de idade;
- Campanhas educativas sobre os riscos do jogo e o incentivo ao jogo responsável;
- Tributação específica, incluindo alíquota de 12% sobre a receita bruta (Gross Gaming Revenue), além de PIS/Cofins, ISS e demais tributos.
A nova legislação também prevê a responsabilização administrativa das empresas que descumprirem essas obrigações — um avanço importante, que ainda depende de fiscalização eficaz.
Os direitos do apostador e a responsabilização das plataformas
Um dos temas mais relevantes do momento é a possível responsabilidade civil das plataformas pelos danos causados a usuários que desenvolvem comportamento compulsivo, muitas vezes com consequências emocionais, financeiras e familiares severas.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o apostador é considerado consumidor. Isso implica que as plataformas devem assegurar informações claras, segurança na prestação do serviço e proteção à saúde do usuário. O descumprimento desses deveres pode configurar falha na prestação de serviço, ensejando indenizações por danos materiais e morais.
Pelo Código Civil, também é possível responsabilizar essas empresas com base na teoria do risco da atividade: quem aufere lucro de atividade potencialmente lesiva deve responder pelos danos previsíveis, especialmente quando “falham” em adotar medidas preventivas.
Decisões judiciais recentes reforçam essa tese
Diversos tribunais já vêm reconhecendo a responsabilidade de plataformas de apostas, seja por inadimplemento, publicidade enganosa, falhas operacionais ou omissão em relação à proteção do consumidor:
📌 TJ-MT – Bloqueio de acesso e saldo não pago ao usuário
Decidiu-se que o impedimento de acesso à conta virtual e a ausência de solução administrativa configuraram falha na prestação do serviço e justificaram indenização por dano moral. (Recurso Inominado: 1023413-33.2023.8.11.0003)
📌 TJ-GO – Investimento frustrado em plataforma de apostas estruturada como pirâmide financeira Foi reconhecida a obrigação de restituir os valores investidos, apesar de afastado o pedido de indenização moral. (Recurso Inominado Cível: 5143044-07.2023.8.09.0051)
Esses precedentes ainda são recentes, mas apontam para uma tendência crescente de reconhecimento da vulnerabilidade do apostador como consumidor, e, portanto, merecedores de tutela judicial.
Impacto econômico: um problema individual ou sistêmico?
Segundo estudo da LCA Consultoria Econômica, o impacto macroeconômico das apostas é ainda limitado — os gastos representam entre 0,2% e 0,5% do consumo das famílias brasileiras.
Contudo, o problema ultrapassa o aspecto econômico: é social, psicológico e pessoal. O uso de recursos de programas sociais como o Bolsa Família em apostas levanta alertas sérios sobre os efeitos desse mercado.
Nesse ponto, a legislação por si só não basta. É necessário fiscalizar, responsabilizar as empresas e garantir atuação efetiva do Poder Judiciário.
Conclusão: o Ordenamento Jurídico deve proteger quem aposta
A recente febre das bets transformou o jogo em hábito cotidiano, muitas vezes disfarçado de entretenimento inofensivo e acessível de qualquer dispositivo móvel. Mas a linha entre lazer e compulsão é tênue — e, quando ultrapassada, pode até destruir vidas.
As empresas “bets” que lucram bilhões com apostas devem assumir os riscos e as obrigações que decorrem de sua atividade. O Sistema Jurídico brasileiro já dispõe das ferramentas para exigir essa responsabilidade.
Juristas atentos devem ocupar esse novo espaço, defendendo consumidores, provocando o debate jurídico e contribuindo para interpretações que coloquem a dignidade humana acima da lógica do lucro.
Porque apostar não pode ser um caminho sem volta — e o Direito está aqui para garantir que não seja.